segunda-feira, 22 de março de 2010

A esposa virtuosa


A mulher atirou-se aos pés do algoz de seu marido. Subitamente uma força maior a movera de seu lugar sagrado de onde apenas saía para buscar alimento pros filhos. Vivia guardada em seu recanto. O olhar sereno, naquela manhã, cobria-se de lágrimas e poeira ao atravessar o terreno desnivelado da prisão centenária. Horas antes, uma pergunta era feita para o homem que a retinha entre sedas e grandes janelas cobertas de veludo. "Onde estão seus pai e sua mãe que não vem pedir por sua vida"? O homem baixou a vista acabrunhado, sentindo a dor das grandes correntes apertando sua alma. "Há alguém que se importe por sua vida, miserável homem"? A mulher entrara envolta em lenços, deixando revelar somente os negros olhos. Esperava ver os sogros chorando, clamando por piedade. A audiência trazia esfarrapados, delinquentes e loucos e nenhum poderia ajudar o homem condenado à morte. Apertando-se entre malcheirosos, subiu um degrau de pedra, aproximando-se mais e mais do algoz. "Eu dou minha vida por ele", disse docemente, enquanto os loucos riam e arregalavam os olhos, ansiosos pelo fim da sentença. Um riso irônico formou-se nos lábios escuros do algoz. Lá atrás, uma velha encurvada gritou: "Pobre iludida"! Mas quem dera para sofrer pelos filhos raivosos e malcriados, quem perpetuava a sina de pertencer ao homem dias, noites e madrugadas sem fim, feito renegada por guardar as marcas roxas na branca de escrava qualquer sentença de morte era o luxo de lugar guardado no Paraíso. Lá se foi a mulher seguir sua morte, enquanto o homem era liberto de suas correntes. As portas mornas do Inferno abriram-se em rajadas para receber uma linda mulher de longos cabelos negros, olhar profundo, mãos macias. Já quase nua, perdera seus véus e vestes de matrona. Pisou altivamente o átrio, desafiando o destino e a dor. "Agora serei rainha"!



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