segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

fragmento - diário

Passei de ano. Ano muito difícil. A matemática  quase me tirou o juízo!!! Acordei cedo e na TV uma notícia me deixou muito, muito, muito triste mesmo. Mataram John Lennon!!!
Fiquei sem acreditar.
Minha mãe estava passando  pó compacto no rosto para ir trabalhar. O cheiro de meu café tomava conta do apartamento, quando a notícia chegou pela TV.
Ouvi meu nome e senti que ela me observava, enquanto meus olhos marejavam!!!

Sabia que minha mãe não gostava quando eu me vestia com a calça jeans já velhinha e gasta, dada pela tia Elza, e colocava a enorme camiseta branca pintada com o rosto de John Lennon. Ela queria que eu fosse mais vaidosa, que gostasse dos vestidos bordados que trouxerámos do Ceará, mas eu sonhava com o jeans, a sandalinha de couro ou o tênnis Bamba (eu queria mesmo um All Star!), os cabelos bem cacheadinhos e as camisetas da Praça da República. As preferidas: a de John Lennon, a do Charles Chaplin e a do Snoop! Minha mãe tem muito medo que eu me torne hippie! Acho que ela não aguentaria me ver hippie. Nem ela nem minha irmã. Mas eu sou louca para conhecer TODO o mundo! Eu quero mais paz, mais verde, menos tristeza no mundo e na minha vida.

Eu durmo ouvindo "Woman"! Já sei de cor. Inventei de aprender inglês e, por sorte, encontrei um livro de minha mãe e do meu tio Aldemir: "Inglês em 30 lições". Eles estudaram com esse livro antes de eu nascer. Agora ninguém me segura! Irei aprender inglês, escrever poesias, viajar o mundo e quem sabe minhas poesias não viram um rock de sucesso?!

[...] Imagino que meus amigos da Praça Rooselvet e do Caetano também estejam tristes. John Lennon era tudo! A gente vivia com ele na cabeça. Pô, como alguém iria querer matar uma pessoa que só pensava na paz?! Preciso fazer alguma coisa. Só escrever que minha alma chora não resolve nem me alivia.

Vou para a Biblioteca Monteiro Lobato, acho que lá posso pensar melhor. Tenho que andar. Andar vai tirar de mim essa dor! Preciso ver as ruas, as pessoas. Ainda estou com a mania de contar enfeites de Natal, se eu sair agora, poderei esquecer um pouco.      Será mesmo? Não acredito que esquecerei John Lennon. Sei tudo sobre ele!

Minha mãe acabou de sair, ela parecia sofrer um pouco com a minha dor. Suavemente, falou:
– Fica assim, não! A alma dele foi para algum lugar melhor...

Ela estava LINDA. Saia amarela, bluzinha de renda do Ceará, blazer combinando. Ela é chefe, precisa sair bonita desse jeito. O perfume "Café" tomou conta do corredor e acho que até do elevador!

– Molhe essas sambambaiase as avencas, não deu tempo de molhá-las hoje. Fiquei olhando para as plantas que estavam no corredor, ouvindo o salto do sapato de minha mãe tomando conta do ar quente dessa manhã de dezembro. De lá, do elevador, ela ainda disse:

– Filha, feche as janelas, quando sair. Com esse calourão é capaz de chover mais tarde.

Depois que mamãe desceu, fechei a porta e chorei como nunca chorei na vida. Não conhecia essa sensação antes. Nunca ninguém que eu conhecia morreu. Não sei como lidar com isso...

Abri uma página do meu Evangelho e busquei algo sobre a vida após a morte, mas nem a leitura nem nada vai tirar o buraco que essa notícia me trouxe.

John Lennon ficará para sempre no meu coração! Lennon 4 ever... Ainda não acredito, meu!








                                             09 de dezembro de 1980 - um dia marcado para não ser esquecido!