quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011



A mulher do beija-flor



Todo dia escorrego por entre as folhas do jasmineiro. Venho escondido, correndo pela tarde quente, sumindo entre os telhados e muros. Só ela me vê, mas fica muda. Sinto que nem suspira, para poder me contemplar. A rua verdeja em jardins, mas só aquele onde os jasmins se enramam pertence a mim. É lá onde cumpro a pena diária que alimenta meu vício. Os olhos da mulher me aguardam. Há muita ânsia, como a dizer: “Olhem o beija-flor que visita meu jardim”. Não vê a criatura que o certo seria: “Vejam o jasmim que possuo! Só ele recende o beijo que traz o velho e cansado beija-flor azul!”

A mulher varre as folhas secas. Ela me encontrou vagando por entre as casas. Seu vestido balança ao vento e posso ver as pernas em pleno vigor. Bato as asas num subindo quase imóvel. Uma vizinha bota a cara na janela. Nem me vê. Ela espia a vida com cara de concreto. Em nada se assemelha à mulher que recolhe as folhas secas ao pé do jasmineiro. Dá pena o olhar da vizinha que não entende nada de plantas nem de gente. Nesse momento, sinto o vento a trazer o cheiro forte e maciço das flores. Embriago-me para esquecer das criaturas duras do mundo do Senhor. Solto-me no ar até pensar em me sufocar com tanto perfume.

A mulher do jardim suspira. Sinto que guarda-me no mais profundo esconderijo de seu ser. Ela lança a mão ao peito e depois cobre os olhos diante da luz, esbanjando ardor. Arrisco-me nos céus, enquanto meus rastros são tranquilamente apagados das minúsculas flores beijadas por mim. A mulher me quer. Eu a quero também. Nosso segredo fica contido no cacho perfumado já desmanchado pelo meu toque. Penso nas mãos finas da mulher. Tenho a ligeira impressão de sentir os dedos dela pousando sobre mim. É só loucura! Lá está: tão serena em seu olhar, tão longe do céu, quase sumindo diante de meus olhos. Quisera eu a ter aqui nesse azul!







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