Cena I
cá
estou eu pensando nessa rua cheinha de poeira
enquanto
madame ainda não levantou
ainda
dá tempo de coar café e espiar o porteiro da esquina
Cena II
a
menina colou o ano inteiro e nunca leu nada sobre o tal feminismo, Friedrich Nietzsche, Paulo Freire, só queria balada, acontecer, virar vodka com qualquer coisa que a
deixasse animada....
Cena última
cá
está a mulher que passou a juventude irritada com as receitas e as panelas
lia
Beauvoir , Sartre, Ricoeur, Foucault e
Barthes
um
dia sacudira as panelas nas praças com as mães de luto
outro
dia, lutara contra as correntes, os tapas, os porões, as máquinas,
mas
não cozinhava nem lavava
o
homem ao lado só comia: a comida, regada ao vinho francês e a mulher, das
pernas grossas.
No
dia da prova, a pia cheia, era coisa de mulher, para mulher.
A
mágoa reinava na alma ferida.
Três dias para dar conta de
tanta louça.
Nem
Simone nem ninguém.
Nem
os filhos nem o marido iriam lavar as tralhas da cozinha.
Tinha
que ser ela mesma, com leitura, feminismo, lágrimas,
raiva,
rancor, mãos suaves, porém, para deixar sua casa arrumada, do jeito só dela,
para ir além da vida, começar novamente a comer, ser comida, dar de comer, por
a comida na boca dessa gente toda do mundo que tanto precisa de vida!
Grand
Finale
Nesse mundo onde as moscas
mortas metamorfoseadas em homens laboratórios
e baratas verdes dólar fumegantes faltam mãos e panos para enxugar as louças
velhas daqueles armários recém comprados nas grandes lojas numa promoção a
perder de vista!
* * *
Imagem: http://sensacionalista.uol.com.br/2015/10/26/enem-conheca-o-drama-de-quem-nao-tinha-google-para-ver-quem-e-simone-de-beauvoir/