Só hoje consegui sentir meu luto por Ângela
Maria. Só hoje consegui ouvir aquelas músicas que retomam as tristezas de minha
memória que são também uma linha tênue para a pouca felicidade de minha
infância. Minha mãe possuía um repertório variado indo do samba à MPB, a
boleros, tangos e clássicos dos anos 50 e 60. As músicas eram cantadas
baixinho, quase que escondido, não sei se ela tinha medo de soltar a voz, que
estava lá, bem viva, como nos tempos em que fora radialista em Juazeiro do
Norte. Ela era nostálgica e isso veio junto com a minha criação. Ângela Maria
entrava nos cantos da casa de paredes mofadas, para lembrar de algum modo que
eu era gente humilde também...com
flores na varanda, varal repleto de lençóis e sábado de faxina, com bobs nos
cabelos e um sorriso alegre por fora, triste por dentro.
Ângela Maria tomava conta da sala, no Almoço com as Estrelas (alguns leitores
não saberão do que falo!), com aquelas mulheres lindas em longos e babados,
mangas bufantes e risadas e músicas...e mais músicas por trás das cortinas
finas de nossa sala simples.
Vez por outra, lágrimas saíam dos olhos míopes de
minha mãe...e eu que não posso ver ninguém chorando, também chorava, sem saber
porque chorava. As músicas doíam mais que a saudade a roer o coração cearense
daquela mulher sozinha. Bem, sozinha não, duas meninas estavam lá para lembrar a velha história de amor que no tempo ficou.
Minha avó dizia que havia criado minha mãe para ser uma princesa. Só muitos
anos depois entendi, porque Cinderela
entoava no quintal lá de casa. O amor poderia vir de onde viesse, mamãe estaria
lá, o avental todo sujo de ovo, fazendo bolo e brigadeiro para encantar os dias
de fantasia de duas meninas que brincavam de xicrinhas e panelinhas no quintal
da casa de minha infância. A rosa mais
linda, a primeira estrela, a paz das filhas dormindo enfeitavam a tristeza
das noites sem o bem profundo que ela tanto amou. Que será da vida que não
consigo mais tocar? Ai, Ângela, ainda lhe ouço, como se aquelas paredes
estivessem vivas como antes, anunciando sinfonia de pardais e as Aves Marias
que aprendi logo cedo, com o mundo inteiro do morro onde nasci. Mamãe, mamãe...tu
és a razão...para eu ainda chorar e sorrir.
Um comentário:
Linda recordação, consegui enxergar cada espaço descrito nesse texto, mesmo sem conhecê-los. Parabéns.
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