A despensa ficara vazia. O fogão desligado. A mesa em ordem, sem pratos, nem copos sujos. Por instantes, a ordem era tão cheia de realidade! E ela sorriu de novo.
Nada de beijos, broncas, correria, hora de mingau, hora de jogo de encaixe, hora de nanar, hora de inventar...ô relógio amargo dessa vida - a me controlar!
Caminhou, caminhou, caminhou...até encontrar a rua dos consertos. Em cada lojinha cabia algo quebrado. Carregava uma sacola de plástico. De vez em quando os objetos se encontravam na sacola e se ouviam os sons das peças soltas. Haveria conserto para mulheres más!?
Vai deixar tudo isso?
Sim.
Metade adiantado.
?
Os clientes têm mania de deixar as coisas e ir embora e eu fico no prejuízo. Agora exijo logo. Mas você não tem cara de que vai largar essas preciosidades...hehehe..
E ela viu o cinismo nele. Os bigodes enormes. Homem esperto. Não, homem burro!
Tome.
Mas eu nem disse o valor!
É para cobrir os gastos com o que não tem conserto!
E riu. Riu de si mesma. Riu da sala aberta, com as cortinas voando livres por sobre o sofá azul. Todo o tempo do mundo cabia na casa agora, sem medidas, tics-tacs, controle ou vigias. Todo o tempo do homem que trouxera os relógios da casa da mãe estava naquela sacola. Ela disse que você não sabe organizar o tempo! E, aos poucos, todos vieram para alertá-la, orientá-la. Em cada cômodo, nas estantes, na parede da cozinha...ao lado da cabeceira da cama. Pluft! Agora, estão na rua dos consertos...Já poderia ir embora de vez, como planejara um dia.
A mesa redonda, de madeira simples só faltava cair, com a brutalidade e a agitação das crianças. Cada uma queria uma coisa e cada uma não queria nada. Quem não comia, chorava. Quem comia, reclamava. Quem olhava, murchava. Meia hora para comer! Comer com calma, mastigando. Não fale com a boca cheia! Tome o suco. Olhe a hora! Vai perder a aula. Já tomou o remédio? Olha a roupa, vai manchar tudo. Quinze minutos e o prato cheiinho ainda!!! E o diabo desses ponteiros andando!
Tchau, gente. Vou-me embora!
Nem notou o vestido de casa, com buracos. A chinela velha. Abriu o portão e se foi.
Claro que voltou. Meia hora depois. Sem lágrimas. Rosto renovado. Descobrira a doença de que tinha que se livrar. A mesa estava endireitada também. A criança tinha as mãos gordas e lhe secava o rosto suado, do calor do meio dia! Faça mais isso, não! Todo mundo comeu, mas chorou também, com medo de tu não voltar....E tu voltou. E tu voltou... Eu falei para eles...ela só precisa de tempo.
Os olhares negros se encontraram, ela se lembraria disso para sempre. Não, criança, eu não preciso mais de tempo. Me livrei dele!
* * *
Paul Klee: Dancing Girl, 1940.
Pesquisa Google: http://www.artic.edu/aic/collections/artwork/10018
7 comentários:
Lindo texto, ao mesmo tempo, forte e suave! Gostei...
Obrigada, Eloisa...pelo carinho de sempre!
Retribuindo a visita...gostei :-)
Beijo.
Querida amiga
Que belo texto.
Gosto das palavras
que nos fazem ver
cada cena,
e a imaginá-la
em todas as suas cores...
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Desejo que desejes ser feliz.
Toda felicidade do mundo
começa com um simples desejo de alegria.
Querida amiga
Perdoe-me a ausência.
Final de ano, para quem ensina
o tempo fica curto,
mas estamos sempre visitando
espaços preciosos que nos fazem tão bem.
Gostaria de convidá-la a visitar o meu blog
www.sonhosdeumprofessor.blogspot.com
onde postei uma entrevista que fiz recentemente
e que está sendo vinculada na mídia de Fortaleza.
É também uma forma de entender a forma
que penso a Educação que acredito
e a qual dedico a minha vida.
Um imenso abraço.
Aluísio Cavalcante Jr.
Lindo, Araceli!!! Confesso que intimamente eu fiquei torcendo pra ela não ir de vez, rsrs. Sua escrita é sempre tão linda! <3
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