segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
quinta-feira, 25 de outubro de 2018
segunda-feira, 22 de outubro de 2018
segunda-feira, 8 de outubro de 2018
Meu adeus à Sapoti
Só hoje consegui sentir meu luto por Ângela
Maria. Só hoje consegui ouvir aquelas músicas que retomam as tristezas de minha
memória que são também uma linha tênue para a pouca felicidade de minha
infância. Minha mãe possuía um repertório variado indo do samba à MPB, a
boleros, tangos e clássicos dos anos 50 e 60. As músicas eram cantadas
baixinho, quase que escondido, não sei se ela tinha medo de soltar a voz, que
estava lá, bem viva, como nos tempos em que fora radialista em Juazeiro do
Norte. Ela era nostálgica e isso veio junto com a minha criação. Ângela Maria
entrava nos cantos da casa de paredes mofadas, para lembrar de algum modo que
eu era gente humilde também...com
flores na varanda, varal repleto de lençóis e sábado de faxina, com bobs nos
cabelos e um sorriso alegre por fora, triste por dentro.
Ângela Maria tomava conta da sala, no Almoço com as Estrelas (alguns leitores
não saberão do que falo!), com aquelas mulheres lindas em longos e babados,
mangas bufantes e risadas e músicas...e mais músicas por trás das cortinas
finas de nossa sala simples.
Vez por outra, lágrimas saíam dos olhos míopes de
minha mãe...e eu que não posso ver ninguém chorando, também chorava, sem saber
porque chorava. As músicas doíam mais que a saudade a roer o coração cearense
daquela mulher sozinha. Bem, sozinha não, duas meninas estavam lá para lembrar a velha história de amor que no tempo ficou.
Minha avó dizia que havia criado minha mãe para ser uma princesa. Só muitos
anos depois entendi, porque Cinderela
entoava no quintal lá de casa. O amor poderia vir de onde viesse, mamãe estaria
lá, o avental todo sujo de ovo, fazendo bolo e brigadeiro para encantar os dias
de fantasia de duas meninas que brincavam de xicrinhas e panelinhas no quintal
da casa de minha infância. A rosa mais
linda, a primeira estrela, a paz das filhas dormindo enfeitavam a tristeza
das noites sem o bem profundo que ela tanto amou. Que será da vida que não
consigo mais tocar? Ai, Ângela, ainda lhe ouço, como se aquelas paredes
estivessem vivas como antes, anunciando sinfonia de pardais e as Aves Marias
que aprendi logo cedo, com o mundo inteiro do morro onde nasci. Mamãe, mamãe...tu
és a razão...para eu ainda chorar e sorrir.
domingo, 2 de setembro de 2018
De livros, estantes e lembranças - cenas da vida de uma professora
Cenas da vida 1 - Campus de Natal, agosto de 2018.
"Dona, posso lhe fazer uma pergunta?"
"Claro!" - A mulher parou de colocar os livros na prateleira da casinha fixada ao lado da parada de ônibus, bem ali na Avenida Dr. João Medeiros Filho, na Zona Norte de Natal.
"Por que a senhora está botando esses livros aí, se vão ser roubados?"
"Roubados? Hum...Mas a ideia é esta! Bom, melhor dizendo, a ideia é que as pessoas levem os livros para casa".
"E como se sabe que a pessoa levou para casa...e se ela for vender?"
Novamente parando de arrumar os livros enormes em um espaço tão pequeno...
"Bom, não tem como saber".
"Mas, então, porque coloca?"
Havia um certo olhar de espanto no rapaz, branquinho, cabelos cacheados, os óculos enormes...
"A gente espera que as pessoas leiam os livros...é só isso.
A mulher se afastou por uns minutos e voltou com mais livros. Na mão tinha três em separado: dois romances de Jorge Amado em capa dura e um livro de Pedro Bandeira. Do caminho em que passara na volta, pôde ver que além do rapaz com quem conversara, outro estava folheando os livros. Ela agira rápido: fora em sua sala buscar mais livros para a "Casa das Palavras".
"Tomem, aqui são obras para a idade de vocês. Aquelas são mais para crianças. Os jovens receberam os livros desconfiados.
Não tinha mais o que fazer, voltou para a sala de trabalho. Não quis olhar para trás, estava com os olhos cheio de lágrimas. "Quem rouba livros nesse mundo?!"
Cenas da vida 2 - Sala do PIBID
As paredes não riem mais. Os livros estão mundo afora: doados, separados para outros leitores.
A memória puxa para algum tempo atrás: paredes enfeitadas com quadros produzidos por alunos da Escola Municipal Profa. Terezinha Paulino, inspirados por Patativa do Assaré. Atividades das Escolas Bernardo Nascimento, Francisco Varela e Ivonete Maciel.
Mas o que mais encantava a sala eram o calor, a alegria, a risadaria, o momento de estudo. Havia momentos que não cabia todo mundo, mas todo mundo queria estar junto e no espaço de nossa identidade: PIBID Ensino Religioso/Ciências da Religião.
A sala ganhou identidade.
Era espaço de sorrisos, livros, lágrimas, angústias e muita dedicação. Estudantes de vários períodos passaram por ali e deixaram uma marca: um coração selvagem, um enfeite de Natal, um livro que ia para a mente, fortes laços que as paredes vazias (repletas de pregos) não vão retirar da mente de quem ali se alimentou (cabeças, amigos, ratinhos...).
Os livros foram doados, precisam ir para mãos e leitores. Alguns da própria UERN, outros, de lugares distintos.
Uma dor amarga: como passar por ali e não lembrar?
Espaços são parte de uma história e da memória. Um beijo no coração dessa sala-mundo, sala-gente que virou lugar de trabalho coletivo!
"Dona, posso lhe fazer uma pergunta?"
"Claro!" - A mulher parou de colocar os livros na prateleira da casinha fixada ao lado da parada de ônibus, bem ali na Avenida Dr. João Medeiros Filho, na Zona Norte de Natal.
"Por que a senhora está botando esses livros aí, se vão ser roubados?"
"Roubados? Hum...Mas a ideia é esta! Bom, melhor dizendo, a ideia é que as pessoas levem os livros para casa".
"E como se sabe que a pessoa levou para casa...e se ela for vender?"
Novamente parando de arrumar os livros enormes em um espaço tão pequeno...
"Bom, não tem como saber".
"Mas, então, porque coloca?"
Havia um certo olhar de espanto no rapaz, branquinho, cabelos cacheados, os óculos enormes...
"A gente espera que as pessoas leiam os livros...é só isso.
A mulher se afastou por uns minutos e voltou com mais livros. Na mão tinha três em separado: dois romances de Jorge Amado em capa dura e um livro de Pedro Bandeira. Do caminho em que passara na volta, pôde ver que além do rapaz com quem conversara, outro estava folheando os livros. Ela agira rápido: fora em sua sala buscar mais livros para a "Casa das Palavras".
"Tomem, aqui são obras para a idade de vocês. Aquelas são mais para crianças. Os jovens receberam os livros desconfiados.
Não tinha mais o que fazer, voltou para a sala de trabalho. Não quis olhar para trás, estava com os olhos cheio de lágrimas. "Quem rouba livros nesse mundo?!"
Cenas da vida 2 - Sala do PIBID
As paredes não riem mais. Os livros estão mundo afora: doados, separados para outros leitores.
A memória puxa para algum tempo atrás: paredes enfeitadas com quadros produzidos por alunos da Escola Municipal Profa. Terezinha Paulino, inspirados por Patativa do Assaré. Atividades das Escolas Bernardo Nascimento, Francisco Varela e Ivonete Maciel.
Mas o que mais encantava a sala eram o calor, a alegria, a risadaria, o momento de estudo. Havia momentos que não cabia todo mundo, mas todo mundo queria estar junto e no espaço de nossa identidade: PIBID Ensino Religioso/Ciências da Religião.
A sala ganhou identidade.
Era espaço de sorrisos, livros, lágrimas, angústias e muita dedicação. Estudantes de vários períodos passaram por ali e deixaram uma marca: um coração selvagem, um enfeite de Natal, um livro que ia para a mente, fortes laços que as paredes vazias (repletas de pregos) não vão retirar da mente de quem ali se alimentou (cabeças, amigos, ratinhos...).
Os livros foram doados, precisam ir para mãos e leitores. Alguns da própria UERN, outros, de lugares distintos.
Uma dor amarga: como passar por ali e não lembrar?
Espaços são parte de uma história e da memória. Um beijo no coração dessa sala-mundo, sala-gente que virou lugar de trabalho coletivo!
terça-feira, 5 de junho de 2018
terça-feira, 17 de abril de 2018
“alguém
me avisou pra pisar nesse chão devagarinho”.
Na
época em que TV a cores era um luxo para poucos, em casa possuíamos uma Philco
com um grande botão giratório de seleção de canais, outro para ajustar o a
sintonia e mais outro para brilho e contraste. Era o luxo do luxo...O lugar
exato da televisão era o espaço debaixo da escada, sob uma mesinha de madeira
revestida de mogno, combinando ainda com o design
do equipamento. Quase sempre na mesinha da TV e a na que ficava ao canto da
parede, havia a combinação das toalhinhas de crochê, feitas pelas mãos
delicadas de minha mãe, durante o horário de almoço do trabalho.
A
programação tinha horário exato para começar, mas as manhãs eram recheadas de
desenhos, muito desenhos...e outros programas infantis, como filmes, que
iluminaram ou alteraram completamente a percepção de mundo de uma geração que
cresceu entre 1973 e 1979.
Minha
mãe saía muito cedo para a empresa. Atravessava a cidade em uma lotação,
geralmente lotada...e ia ouvindo o mesmo noticiário todos os dias.
Antes
de ela sair, havia todo o protocolo, para se arrumar, pentear e ajustar a rotina
do dia. Lembro-me bem do pó compacto (Max Factor!), cujo perfume ficava nas
bochechas que iríamos beijar, antes da partida, sempre atrasada, para a firma,
onde era contadora.
Não
tínhamos vitrola (meu sonho de infância!) e o rádio era aquele tão comum à época:
de pilha, azulzinho, com uma antena curta que pegava a frequência AM, numa
chiadeira horrível...ouvir música era uma tarefa difícil para esta que se dirige
ao leitor, nesta data de hoje.
Então,
era parte da rotina da criança que um dia eu fui, ligar a TV, às seis da manhã,
para ouvir MPB, principalmente samba, enquanto a programação, de fato, não
começava. As faixas coloridas matizando a tela. Muitas vezes, ainda pegava o
locutor anunciando o prefixo com as informações gerais do canal sintonizado. A
partir de então, tínhamos uma hora exatamente de música. Muitas vezes, bossa
nova, samba de raiz e os temas das novelas em voga.
Havia
uma mania silenciosa entre as vizinhas: puxar a cortina, abrir a janela (para
entrar o ar puro!), e varrer a calçada. Uma vigiava a outra, para ver quem
punha os pés na calçada mais cedo...e eu, menina sapeca que era, morrendo de
sono, geralmente era a primeira...e ainda tinha a pachorra de ir com a panela
de café para mexer o pó na água quente, bem debaixo da janela, para que o
cheiro espalhasse. Minha mãe que nada acompanhava dessa rotina, sentia o cheiro
do café coado e já sabia que tudo estava pronto: leite fervido, café, pão e
margarina. Quando muito um ovo frito. E lá ia ela, após beijar as filhas e o
filho mais novo.
Eu
ficava com a vassoura na mão, para limpar a sala, ou brincar de limpar a casa,
porque o que fazia mesmo era aumentar o volume da TV, no último alcance, para
ouvir música. Foi assim que cheguei a Dona Ivone Lara, pelas vozes de Maria Bethânia
e Gal Costa, e a um dos melhores sambas que embalaram minhas rodopiadas,
vassoura em punho, na simples sala da Vila Ré. “Sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora longe, sonho meu. Vai
mostrar essa saudade, sonho meu, com a sua liberdade...sonho meu...no meu céu a
estrela guia se perdeu...”
Quando
não eram Gal e Bethânia, era a voz de Bete Carvalho, João Nogueira, Clara Nunes e outras
vozes do Samba...Vez por outra vinha Bethânea alertando que “eu estou aqui, que que há...foram me
chamar...”
E
é assim que hoje abri os olhos, procurando a
estrela guia que foi morar longe... Salve, Dona Ivone Lara... a benção a “alguém [que] me avisou pra pisar nesse chão devagarinho”.
Imagem: Acervo Pessoal da Autora. 1974, SP - Vilá Ré
quinta-feira, 15 de março de 2018
quarta-feira, 14 de março de 2018
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
No lugar de mãe...para um pai que chora...
Infelizmente, nós, pais, não podemos viver pelos filhos, no lugar deles.
Cada filho toma um rumo diferente daquele que esperávamos.
Pais sonham com a futuro promissor dos filhos.
Pais sonham com as conquistas dos filhos. Muito embora cada pai e cada mãe deseje o melhor para eles, nenhum consegue segurá-los com correntes nem determinar qual a melhor trilha para ser seguida, experienciada ou vivida.
Pais e mães podem se libertar da obsessão do controle efetivo dos filhos para garantir uma caminhada segura e tranquila.
Já os filhos precisam e devem sofrer. Precisam e devem viver desafios que os tornem maduros e seguros de si.
Sofrimento vem. Lágrimas virão. Escolhas trazem suas próprias consequências. Histórias de vida são tecidas por trilhas. Pais e mães viveram suas trilhas. Cada um chegou a ser o que é, independente daquilo que seus próprios pais sonharam. Entre abraços, beijos, cuidados, comidinhas especiais, quartos limpos, mesada, não há como evitar a violência, a falsidade, a dor e as lágrimas que a vida produz.
Ótimo mesmo era ter um mundo cor de rosa e iluminado. Porém, isso não existe na vida real. Sem sofrimento, nossos filhos não saberão se defender. Se cada um levar para o mundo a lanterninha que cada pai e mãe (ou avó, avô, responsável, como convém ao mundo de hoje) lhe deu para se orientar na vida...a própria corrente da vida traçará os percursos adiante...
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