quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Indo para casa



Naquela tarde, tive que subir a enorme ponte que separava os bairros principais da cidade. Havia lavado roupa a tarde inteira. As mãos permaneciam brancas, sem viço algum. O sabão comia a pele já ressecada de anos de tanque. O rio estava marrom. A chuva de toda tarde misturou restos de lixo, gravetos, troncos, folhas e uma imundice que não cabia no juízo de pessoas sensatas.
Amanhã, é dia de ir para dona Lúcia. Gente que não sabe o que quer! Uma hora troca tudo, noutra hora, não tem nada para lavar! Bom para mim, só assim, polpo minhas mãos! Tinha medo de cair daquela altura, só andava apoiada no cimento frio. Tentava sempre olhar para frente, para os carros acelerados e sem rostos que passavam por mim. Às vezes, ainda conseguia enxergar um rosto triste ou um jovem dormindo com a cara grudada no vidro dos ônibus que se juntavam antes de passar para o outro lado. Sempre mandava os olhos para algum lugar distante, nunca para a água imunda que descia pela cidade. Brutalmente, naquele dia, mirei as águas sombrias.  Tinha uns cinquenta metros entre a ponte  e o meu barraco, quando vi a mão presa nos troços do rio.  Não tinha ninguém naquela hora e respirei fundo tentando pensar como alguém poderia se jogar num rio sujo como aqueles. Era mesmo o fim do fim, morrer na mais pura lama!
   







Imagem: Pesquisa Google: http://ajornadadaalma-estudosjunguianos.blogspot.com.br/2010/09/pontes-na-pintura.html

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Poema IX



No momento eu só quero ser feliz.
Como dizer em palavras
que estou plantando 
um mundo melhor para meus filhos?

Procuro em minhas perdas
um mover-se mais seguro...
mais ainda sou "metamorfose ambulante",
querendo esquecer das certezas,
das verdades únicas, do imutável...

Vivemos diante de situações inéditas,
algumas mutantes;
centenas, previstas.

Os poetas não se decidem
Os padres não mais orientam
As vozes que mais se calam!

Mesmo entendendo o que me diz,
fixo meus pés no chão duro...

Como me alcançar? Lá em cima tudo é longe.
Como me soltar? Se fico livre, voo sem direção...

Quem vem para segurar? Lá do céu
despenco feito a pipa
que o menino
          não controla.


§  §  §


In: BENEVIDES, Araceli Sobreira. O chamado - ou um cântico para a liberdade. 2ª ed. São Paulo: Scortecci, 2008. p.36.


                                                                          §   §  §






Imagem: Pesquisa Google: 


                              

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Solta no mundo

Estou abafada,
presa dentro de mim mesma.
Queria dizer uma palavra apenas para minha alma sôfrega.
Há algo dentro desta alma sempre em plantão,
sempre atenta, agitada, em rebelião.
Sonhos confusos, estradas perigosas.
Palavras secretas como se o medo de pronunciá-las fosse se tornar meu castigo,
minha pena, por ousar tanto!

Vejo ao longe uma menina
andando numa bicicleta vermelha.
Tão livre, tão doce, tão inteira de si!
Já me perdi tantas vezes que nem  enxergo mais o caminho certo.
Nem o que leva a mim, aos meus desejos, a minha própria voz.

O sol bate firme na estrada de terra batida,
vermelha,
cortada por curvas, subidas, descidas, atalhos...
Sombreada pelas árvores e encostas...a menina corre na bicicleta.
Ignora os obstáculos.
Pode até cair, mas continua.

Procuro essa força da criança que cresceu em mim.
Procuro a valentia,
os sonhos verdadeiros, sem enigmas, sombras ou neblinas.
Procuro os caminhos de uma direção só: o futuro, o adiante,
o que se vê à frente, na próxima esquina,
o mais distante que as pernas puderem alcançar.

                                                             Em 01.03.2004.


                                                 *   *   *




Imagem retirada do blog: http://diariosdabicicleta.blogspot.com.br/2008/10/dirios-da-bicicleta.html


sábado, 27 de abril de 2013

O encontro

       
        Nesta semana, conheci a Mulher das Plantas do Fim da Rua. Tanto como eu, a mulher dedica-se às fruteiras, às orquídeas e árvores nativas... Vinha eu caminhando e tentando manter o passo acelerado quando a vi de longe. Segurava uma dessas sacolas da moda. Havia garrafas vazias que ela ia pegando, ao se abaixar sobre os canteiros da calçada enorme. Enorme mesmo para uma cidade onde as calçadas não ultrapassam um metro e meio.  Não me contive:
         - Oi, sou A mulher das Plantas do Início da Rua...ali, na parte mais estreita onde havia umas dracenas.
         Ela não disse nada. Olhou-me curiosa, ajeitando os óculos no nariz pontiagudo. 
         - Acho lindo quando passo aqui e a vejo molhando as plantas...
         - Pois é, ninguém dá valor. Sou eu sozinha a lutar por elas.
         - Eu também...lá no início...
         Ela nem deu muita bola, não. Continuou a encher a sacola com as garrafas. Fazia um calor enorme e, como interrompera a caminhada, meu corpo suava muito, Acho que  desconfiou um pouco do meu nome e das minhas ações...
        - Eles arrancaram todas as plantas lá do início, não foi? Perguntou, assim, com uma cara bem alheia...sem parar de andar. Acompanhando-a, expliquei que sim, realmente eles arrancaram todas as plantas, principalmente as dracenas e as mudas de mini-ipês.
        - Tinha mini-ipê ali?
        - Tinha sim...
        - E você deixou?
        - Não tinha como.Quando passei o homem da prefeitura já tinha tirado tudo. Mas ele garantiu que iriam plantá-las em outro lugar.
        - Duvido. Eles homogeneizaram a rua. Tudo igual. "Viva la difference" passou longe dessa rua. Todo mundo tem que ter uma palmeira real na calçada. E assim tudo fica bonito na cabeça do prefeito!
         Não tive como discordar. Ali, na calçada, um cajueiro, um ipê, uma mangueira cresciam espaçosamente, totalmente alheios às palmeiras enfileiradas um quilômetro acima.
         A mulher atravessou a rua e eu tentei cativá-la:
         - A senhora gosta de roseiras? Tenho várias mudas que distri...
         Nem terminei de falar. Pegou-me pela mão e foi bem direta:
         - Olha aqui, minha filha, roseira dá muito trabalho, gosto de flor fácil, sem complicação. Tenho cem orquídeas. Deu um bichinho daqueles....um branquinho...botei de tudo...e nada, agora, estão ali, definhando...tsk...tsk..tsk...quando acabarem, acabaram.
          - Tenho jasmim...
          - Aqui não tem mais espaço, ganhei duas espécies novas. Ontem gastei 70 reais para um homem cortar os galhos secos, tirar as folhas...Sabe, minha filha, aqui não tinha um poste, quando cheguei. Agora os homens chegam, reclamam que os fios estão encostando nas árvores e eu digo para eles: "É o contrário, meu senhor, os fios chegaram depois"...eles chegam colocam aquela escada horrorosa, depenam as bichinhas,  e ainda pensam que fizeram um favor. As coitadas ficam assim aleijadinhas, tortas, sem estilo nenhum e eu tenho que aceitar calada, senão, vem o velho, o pior de todos e corta tudo, arranja geral, feito o que fizeram com as suas plantas - lá no início da rua. Fico pastorando o dia todo...se não abro olho, arrancam tudo.
           - É, a senhora tem razão. 
       Eu tinha que continuar a andar...tinha uma cardiologista no meu pé! Dei dois passos à frente, despedindo-me, mas uma força maior fez com que insistisse:
            - Bonsai? A senhora tem um bonsai?
            - Bonsai? Ah, tenho um, sim, mas não sei fazer, não. Só um pouquinho, aquele de fícus... você tem, é? 
            Vi um sorriso no rosto bronzeado da Mulher das Plantas do Fim da Rua. Também sorri, já com cara de "Ufa, até que enfim, acertei uma"!
            - Pois vou trazer uma para a senhora. Um bougainvíllea...
            - Um vermelho, só traga se for vermelho.
            Nunca tinha feito uma caminhada tão proveitosa. Segui até o final da rua, mortinha de felicidade.

                                                                    *  *  * 

       
Imagem: Acervo particular da autora.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Mulheres nos novos tempos I





Todo dia ela se arrastava até o trabalho, até dava para pensar “Ali ninguém gostava de trabalhar”, dava para ver no jeito que acordavam, andavam e esperavam o ônibus naquela manhã ensolarada. “Eram rostos sem cara ou caras sem rostos?”  A mulher abria a bolsa para pegar o dinheiro. Olheiras encovavam o que ainda tinha de beleza. Sacudindo entre as lombadas da via, ia para mais uma faxina. “Se não fosse aquele traste, eu ainda seria uma dona de casa. Somente isso”!.


* Imagem: Cândido Portinari: http://www.portinari.org.br/

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Diálogo



Gosto mais ainda quando as palavras choram, quando cantam e encantam...

Mais ainda quando se aborrecem e se esquecem do que é medo, solidão e angústia.

Para elas, as palavras, a emoção vem com os colibris, o arco-íris e a paisagem verde. Assim, saem vibrantes, radiantes, eternas, nunca vazias.

Palavras apenas!






domingo, 20 de janeiro de 2013



Ontem me vi
varrendo areias,
segurando ventos,
sozinha entre os lenços
a esconder meu rosto.
                     Sacrifício desumano
                      nos respingos do sol
                     numa imensidão de dunas
                     solidão de olhos negros...vazios.
O chão ardia e
era eu ali
amortecida no calor
a afundar os pés...três para frente, cinco para trás.
A terra a prender minha caminhada.

Desde quando eu percorro
quintais esquecidos?
Quando alguém jogou um copinho
neste imenso areal?


Em 20.01.2013

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Imagem: Pesquisa Google: http://sosleitoresmurca.blogspot.com.br/2010/05/mulher-no-deserto.html#links

                                                                  *