terça-feira, 29 de novembro de 2011

Papel de carta




O cheiro de café no quintal
lembra a tia alegre
que amarra uma fita
branca nos longos cabelos!

Os olhos fechados guardam
o cheiro...
na raiz do cabelo a dor
das mãos que apertam o nó!

Feliz a xícara que alivia
a cabeça erguida
na rua acelerada! Uma branca fita balança no ar!







Imagem: Pesquisa Google: http://humordemulher.wordpress.com/sarah-kay-sucesso-nos-anos-80-2/

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

BR 101 indo pra Recife


Ô saudade de meu pai...
saudade quase sodade...
principalmente agora que o sol
atinge a vista, curtindo a carne da gente
lá pelas quatro horas quando a vista cega no horizonte, pelas bandas de Recife!

Era assim que ele apontava o por do sol no fim de ano!

Era assim que ele ia embora pro Sul, ver o Rio de Janeiro,
na boleia do Mercedes,
para voltar só no Natal!

Lá vai o velho caminhoneiro, cantando:

"Porém se a gente vive a sonhar
Com alguém que se deseja rever
Saudade, entonce, aí é ruim
Eu tiro isso por mim,
Que vivo doido a sofrer"

Ô saudade de meu pai em pleno brilho da BR 101
onde a vista arde e os olhos choram!







   *   *   *

Imagem: Arquivo Pessoal - BR 101 


*  *  *

domingo, 25 de setembro de 2011

Por quem transborda minha alma?

Esvaziar a alma
Introduzindo nela um novo.
É preciso um ritual,
Uma passagem...
Deixar sair tudo,
Abrindo caminho
Para o susto,
O espanto...

Esvaziar a alma
Abrindo para ela um novo espaço.
É preciso o silêncio,
O compromisso,
A pergunta fundamental:
O que eu quero pôr nessa alma?

Amor?
Deus?
Vidas, sonhos, imagens?
Reminiscências, morte, canto?
Minha casa no sertão, bois à sombra, poço profundo?
Tudo ou Nada?
Vento, terra, olhos, corpos?

Dela tirei tudo e estou nua...

Preciso de um coração novo,
Preciso de uma morte serena,
Calma, intraduzível
Para chegar até mim
E me ver de fato...

Alma sagrada, indelével, perdida em sonhos, mitos, arranjos!
Solta no além, sólida em fé, arraigada feito raiz de jequitibá...


                                                                               Em algum dia de 2009.


 *   *   *


Quadro: Picasso - Fonte: Google Imagens




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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A formiga e a cigarra!


Quisera eu deixar
de ser formiga,
poderia cigana virar,
cair na vida...
Ser só gente,
pensar nuvens, mundo, ser só ponte, fluido
atravessar ruas sem sentido.
Quisera eu ser inocente,
leve, luz radiante,
tempo ausente
ao luar do sertão, fina chuva –
sem nada na mão...
Quisera eu cigana ser,
cantar o dia, viandante,
flutuar na vida, espairecer,
somente feliz amante
a dormir no inverno, tranqüila
tal qual uma menina.

                               Em 05/08/2007. 




                                  *   *   *


Imagem : Pesquisa GOOGLE IMAGENS : http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=9

segunda-feira, 18 de julho de 2011

quando as palavras não existem mais...



  ao poeta Jack Agüeros*


O poeta perdeu a memória

As palavras estão ali
Na boca do filho
Na boca da filha
Na capa do livro
No miolo do livro

Um poeta sem memória
não perde apenas o passado e o essencial da vida,
acaba-se o mito, finda-se a história,
e o devir também é apagado!

O poeta chora pelas palavras que não alcança no oco da mente!
também chorei pelas lágrimas do poeta.
O vazio alegra-se em silêncio...
O homem busca uma palavra solta.
Um suplício que penetrou meus cadernos, minha letra!

Chorei as lágrimas do poeta,
guardei sua memória
no esforço que também faço para não esquecer!


*   *   *

*Aos interessados, vejam o vídeo:

http://video.nytimes.com/video/2011/06/30/nyregion/100000000870254/without-words.html


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Era tudo o que eu queria agora!


Nunca ouvia nem lia histórias, mas nem precisava. Na minha cabeça um mundo invisível de reis e rainhas, cavaleiros e guerreiros entrava e saía numa rapidez incrível. Havia hora que nem eu sabia o que era da minha criação e o que era da vida mesmo. Um dia, um bardo levou-me a reputação. Quis atirar-me sob as rochas, mas o mar era tão verde e profundo que me encantei. Virei sereia. Jamais saía de minha concha. Até avistar um jovem em explosão com o mar. Seria eu tão imaterial assim para não perceber a fúria com que ele guiava as ondas?
Minha cabeça procurava em vão entre as espumas os caminhos para onde os braços nadavam, mas nunca os encontrava. Um dia o alcanço!
Já era fim de tarde. Um majestoso sol laranja vigiava a areia e as pedras. Nenhum cavalo corria havia muito (séculos?). Na ponta da praia, uma prancha fixava-se em pé, escondendo os braços que venciam o mar.
De minha concha, reconheci, ao longe, o homem. Agora, tinha um nome que os pescadores gritavam toda vida que ele passava rente às jangadas: Lá vai o surfista!

 *  *  *


Imagem: Pesquisa Google: www.comperjagenda21.com.br

* * *


domingo, 24 de abril de 2011

Pensando em "Transformação"...um pouco de sagrado...um pouco de profano!

          [...]

Mas o céu se abriu...
vieram as dúvidas,
as angústias,
uma muralha inteira
se fez crescer em meu caminho.

A voz fraca foi chegando – de longe:
– Olha o mar,
o abismo,
como venta...
como a folha desce lenta,
suave...
um suspiro sensual nos ouvidos!

– Arrisca-te,
salta dessa altura
para sentir o vento!

– Liberta-te, oh, alma presa –
avança sobre o muro
e vê o que te abre no outro lado...

Há um lado-ser
que desconheces...
uma casa esplendida a te esperar...

Solta o cabelo para trás
e respira fundo...
nada se prenderás a teus pés...
Isso não é uma fuga...
isso não é um desatino!

Descobres tudo
antes que o tempo mude,
as flores murchem,
a pele envelheça!

Te chamo para a vida:
teus filhos que saem de tuas fortes pernas!

Te chamo para o mundo:
tua mão serena que folheia as páginas sagradas!

Nada deves temer:
o Homem, a dor,
a carne, a rua,
a noite, o dia,
a solidão,
o silêncio,
a porta fechada!

O que bebes,
o que vestes,
o que comes,
o que sentes...
tudo com os olhos
fechados deves
sentir...

O doce beijo,
o olhar atrevido,
a mão gentil e maliciosa –
a pele arrepiada...

O que podes ver e tocar
se tornam essência!

Jogue fora o inútil,
o que pesa,
o que culpa,
a consciência do eu
que reclama,
embrutece,
se isola...

Limpe a alma!
sacuda a casa,
desnude-se...

O corpo apenas padece...
é ilusão,
o aprendizado a ser esquecido!

A alma também sofre,
mas ela é livre...
nem folha caída,
nem mar revolto,
apenas camaleão...

E a voz (tão fraquinha)
é a mais doce e gentil
que já me pus a ouvir!

Ela se foi...
Parecia ser eu mesma a me chamar...
Nada de mim encontrei no mesmo modo...

[...]

Trechos do poema "O chamado – ou um cântico para a Liberdade "  que está no livro de mesmo título, publicado em 2006 (2008), pela Editora Scortecci.
 
 

Imagem: pesquisa Google - Maria Madalena em uma pintura de Caravaggio – 1596  - http://caminhocelta.blogspot.com
 
 
                                                      *  *  *

terça-feira, 29 de março de 2011

Barragem

Foram muitos homens
a construir com duras
mãos as pedras
ao redor dessas águas

Toda a terra dessas paragens
nada conversa
sobre a vida - em força -
represada, retida
sob medida

Há um pôr-de-sol
alaranjando-se lá longe, tão longe
dos olhos cheios do semi-árido
guardado sob
as águas cristalinas

De vez em quando
um filete d'água rompe-se
gritando os esconderijos
das almas sentenciadas
a contradições dos cercos

Enquanto o que se perde
dá vazão,
no fund - bem fixa -
uma rocha se transforma










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Imagem: Pesquisa Google: http://br.olhares.com/acude_de_pedra_foto273440.html

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011



A mulher do beija-flor



Todo dia escorrego por entre as folhas do jasmineiro. Venho escondido, correndo pela tarde quente, sumindo entre os telhados e muros. Só ela me vê, mas fica muda. Sinto que nem suspira, para poder me contemplar. A rua verdeja em jardins, mas só aquele onde os jasmins se enramam pertence a mim. É lá onde cumpro a pena diária que alimenta meu vício. Os olhos da mulher me aguardam. Há muita ânsia, como a dizer: “Olhem o beija-flor que visita meu jardim”. Não vê a criatura que o certo seria: “Vejam o jasmim que possuo! Só ele recende o beijo que traz o velho e cansado beija-flor azul!”

A mulher varre as folhas secas. Ela me encontrou vagando por entre as casas. Seu vestido balança ao vento e posso ver as pernas em pleno vigor. Bato as asas num subindo quase imóvel. Uma vizinha bota a cara na janela. Nem me vê. Ela espia a vida com cara de concreto. Em nada se assemelha à mulher que recolhe as folhas secas ao pé do jasmineiro. Dá pena o olhar da vizinha que não entende nada de plantas nem de gente. Nesse momento, sinto o vento a trazer o cheiro forte e maciço das flores. Embriago-me para esquecer das criaturas duras do mundo do Senhor. Solto-me no ar até pensar em me sufocar com tanto perfume.

A mulher do jardim suspira. Sinto que guarda-me no mais profundo esconderijo de seu ser. Ela lança a mão ao peito e depois cobre os olhos diante da luz, esbanjando ardor. Arrisco-me nos céus, enquanto meus rastros são tranquilamente apagados das minúsculas flores beijadas por mim. A mulher me quer. Eu a quero também. Nosso segredo fica contido no cacho perfumado já desmanchado pelo meu toque. Penso nas mãos finas da mulher. Tenho a ligeira impressão de sentir os dedos dela pousando sobre mim. É só loucura! Lá está: tão serena em seu olhar, tão longe do céu, quase sumindo diante de meus olhos. Quisera eu a ter aqui nesse azul!







*  *  *